O médico cirurgião e coronel aposentado da Polícia Militar Nadim Amui Júnior ficou 10 dias internado na UTI (Unidade de Terapia Intensiva) em um hospital de Cuiabá. Ele teve 80% dos pulmões comprometidos, por causa da Covid-19.
Recuperado, o médico contou em entrevista ao MidiaNews como foram os dias em que enfrentou o vírus que já matou mais de 1,5 mil mato-grossenses.
Segundo Nadim, um dos piores momentos foi quando passou a sentir a falta de ar. “A sensação é de que você está morrendo afogado no seco. Você não consegue respirar”.
Durante o período no hospital, sem poder ter contato com ninguém, Nadim teve o apoio de amigos, familiares, colegas de trabalho, pacientes e até mesmo policiais militares, que fizeram uma homenagem na frente da unidade de Saúde.
Ainda na entrevista, Nadim criticou o uso de invermectina e hidroxocloroquina e falou sobre o isolamento social e a decisões judiciais a respeito da quarentena coletiva obrigatória.
Leia os principais trechos da entrevista:
MidiaNews – O senhor ficou internado por 10 dias na UTI com a Covid-19. Pode relatar um pouco de sua experiência como paciente de uma unidade de tratamento intensivo?
Nadim Amui – É uma experiência angustiante, porque a falta de ar é o que judia da gente. É o principal sintoma da Covid. Esse é o que mata. Eu senti muita falta de ar. Tive mais ou menos 80% dos meus pulmões comprometidos. Foi difícil, não quero isso para ninguém. Foi uma barra.
MidiaNews – Temeu pela sua vida?
Nadim Amui – Achei que fosse morrer, porque é uma doença nova, ainda não tem remédio eficaz. A gente tem que tratar os sintomas. E depende muito de como o seu organismo vai responder. Mas fiquei com medo de morrer. Tenho uma filha de 4 anos. Então, não é nem por mim. Eu já estive em uma UTI, há 10 anos, com um aneurisma de aorta. Quando passei por uma situação mais ou menos semelhante. Mas essa foi bem pior. Além disso, é uma doença nova.
MidiaNews – Neste período em que esteve internado, foram inúmeras as manifestações, inclusive na porta do hospital, pela sua recuperação. Imaginava que isso pudesse acontecer?
Nadim Amui – Eu vi. Foi uma demonstração de carinho muito grande. Eu queria agradecer toda a população de Mato Grosso e aquelas pessoas de fora que também se manifestaram. Fiquei muito feliz. Eu não sabia que ia ter essa proporção. Todos os meus pacientes têm meu número de celular. Nenhum deles sai de lá sem, mas não imaginei que fosse tomar essa proporção. Fiquei realmente muito feliz.
MidiaNews – Um vídeo que viralizou nas redes sociais foi o do senhor sendo abraçado pela filha quando deixou o hospital. O que passou pela cabeça naquele momento?
Nadim Amui – Durante toda a minha doença eu pensei nos outros. Fiquei pensando na minha esposa, filhos e filhos. Também pensei nos amigos, porque também ia ser difícil para eles. Mas a minha preocupação era com a minha filhinha, que tem 4 anos, com um pai de 60. Fiquei bastante preocupado, por isso me emocionei. Ela sentiu muito a minha falta.
MidiaNews- Alguém mais da sua família pegou a doença?
Nadim Amui – A minha mulher pegou, meus filhos, que são médicos, também pegaram e a pequenina também pegou. Mas ninguém sentiu nada. A forma grave foi só eu, mesmo, graças a Deus.
MidiaNews – Em que hospitais o senhor estava atuando quando ficou doente? Imagina que foi dentro do hospital que se contaminou?
Nadim Amui – Só trabalho no Jardim Cuiabá. Não tem como precisar em que local ocorreu a contaminação, mas é muito mais provável que seja fora do ambiente hospitalar, uma vez que aqui dentro nós tomamos todos os cuidados, andamos paramentados. Mas, de fato, não tem como saber.
MidiaNews – Como esta a sua saúde neste momento? Tem feito fisioterapia ou algum tratamento para melhorar o funcionamento do pulmão?
Nadim Amui – Eu estou bem, mas ainda sinto um pouco de cansaço. Até recuperar, acho que ainda dura um mês. Mas já estou trabalhando, atendendo meus pacientes. Não deixei ninguém para trás, não fugi da Covid, apesar de ser idoso. Não posso fugir. É a minha profissão.
Eu fiz um tratamento, sim, por causa do pulmão, com um aparelho que eles colocaram em mim, que não é a intubação. E isso me ajudou muito. Era isso que me tirava das crises, porque a sensação é de que você está morrendo afogado no seco, você não consegue respirar. Quando uma doença vem de forma leve, com tosses, uma febre, dor no corpo ou dor de cabeça, isso, tratando ou não, vai melhorar. Agora, quando o problema vem de forma grave, que muitos tiveram e perderam a vida em plena juventude… Aqui em Cuiabá, perdemos um colega de 26 anos, recém-formado, que foi para a briga, não correu e morreu. Mas isso é ser médico. Não tem como fugir disso.
MidiaNews – Como está sua rotina de trabalho?
Nadim Amui – Ainda não estou trabalhando à noite, mas estou atendendo, me limitando. Atendo 10 pacientes por dia. Agora, as urgências, quando me procuram, eu não deixo ninguém na mão.
MidiaNews – Até esta semana, seis médicos morreram no Estado em decorrência da doença. Como é ver colegas perdendo a vida tentando salvar vidas?
Nadim Amui – É muito triste. O coração da gente dói, porque a gente sabe que são colegas que passaram as mesmas coisas que eu. Aqui no hospital ainda tem vários colegas internados. E todos trabalharam para ajudar a população. O sentimento é dilacerante, porque a impotência do médico diante da epidemia é ruim.
MidiaNews – Além de médico, o senhor é coronel reformado da PM, outra categoria que tem perdido profissionais para a doença. Acha que tem faltado mais respaldo do Governo no sentido de dar mais proteção aos policiais?
Nadim Amui – Eu acho que não. A doença é altamente contagiosa. É uma doença que se espalha pelo ar, que é agressiva. Eu acredito que seja a doença mesmo.
MidiaNews – Como médico atuando na linha de frente e como paciente, qual o aprendizado teve a respeito dessa doença? Pelo que se fala, ela afeta vários órgãos do corpo, não apenas o pulmão, não é mesmo?
Nadim Amui – A medicina tem princípios, e a gente sabe como uma doença viral pode evoluir. Eu tinha certeza que iria entrar em contato com o vírus, mas não esperava que fosse dessa maneira tão grave. Infelizmente fui contaminado dessa forma grave, mas sou médico e tenho que exercer minha profissão. Faria tudo de novo. Não deixaria ninguém para trás.
Além de já ser idoso, tenho pré-diabetes, tive um problema no coração, cardiopatia, tenho colesterol alto, fumava… Tenho várias comorbidades. Deus foi muito generoso comigo.
MidiaNews – Acha que, a partir desta doença, os políticos vão se conscientizar da necessidade de se investir mais em saúde pública?
Nadim Amui – Isso é uma cultura do brasileiro. Algo que vem desde os primórdios. Acho que os governantes têm que cuidar disso, não podem deixar para última hora e acontecer brigas.
Tem que tomar providências para que o povo tenha uma saúde melhor. Porque veja quantas vidas perdemos… Foram muitas. Acho que o mundo inteiro foi pego de surpresa. E a saúde é algo primordial. A gente fala muito, mas cuida pouco.
MidiaNews – Vê eficácia no uso de medicamentos como Ivermectina e Hidroxicloroquina?
Nadim Amui – Não vejo eficácia e não utilizei. Ontem [na última quarta-feira (22)] saíram mais dois estudos sobre a hidroxocloroquina. O que a gente precisa entender sobre esse medicamento é que ele é eficaz, mas contra a malária, contra o lúpus. Isso, ele cura mesmo.
Agora, eu não tenho nenhuma informação de que hidroxocloroquina mata vírus. Os trabalhos que foram publicados, recentemente, também disseram o contrário. E antibiótico não mata vírus. O que a população precisa fazer é combater infecção secundária usando antibiótico. Não vejo nenhum respaldo científico ou benefício para população.
MidiaNews – Como médico, e alguém que teve a doença, como enxerga a insistência das pessoas em não respeitar as recomendações e decretos contra as aglomerações?
Nadim Amui – Isso pra mim é um desrespeito com a população, vindo da própria população. Porque a doença evolui bem em 60% dos casos, mas você pode transmitir para uma pessoa e pode ser fatal.
Nem sempre as comorbidades são visíveis. Às vezes, você é diabético e não sabe, você é hipertenso e não sabe, é portador do HIV e não sabe, tem uma hepatite e não sabe. E isso vai ser fatal para você. O não isolamento social é irresponsabilidade.
MidiaNews – Acha corretas as decisões judiciais que determinaram a quarentena obrigatória em Cuiabá e Várzea Grande?
Nadim Amui – Corretíssima, tanto que agora depois de 20 dias, o número de casos está caindo. Os hospitais já têm mais vagas, não estão mais tão lotados, os pronto-atendimento dos hospitais estão menos cheios. Então, acredito que a decisão foi eficaz. Acredito que o juiz [José Leite Lindote, da Vara da Saúde Pública] foi feliz nessa determinação.
MidiaNews – Também acha que só teremos paz em relação a esta doença quando houver vacina?
Nadim Amui – Eu acredito que sim, mas também acredito que os laboratórios estão empenhados em fazer essa vacina. Acredito que no máximo três meses essa vacina está no mercado.
Fonte: Midianews