Desde a idade antiga, as guerras fazem parte da história da humanidade. Algumas tão terríveis que seria melhor esquecê-las. Entretanto, lembrá-las é uma maneira de evitá-las… ou deveria ser. Há 154 anos, uma batalha específica, travada num dos afluentes do rio Paraguai, na bacia do Prata, marcou a história do povo brasileiro e envolveu diretamente o Estado de Mato Grosso. No Dia da Marinha Brasileira, comemorado em 11 de junho, este texto fará uma incursão apenas pela Batalha do Riachuelo, um pequeno, porém decisivo episódio da Guerra do Paraguai.
A famosa Batalha Naval do Riachuelo, ou simplesmente Batalha do Riachuelo, foi travada no dia 11 de junho de 1865 e é considerada uma das mais decisivas da Guerra do Paraguai. Uma das muitas batalhas dessa guerra que persistiu de 1864 a 1870.
Para o historiador Maurim Rodrigues Costa – professor há mais de 35 anos – existem algumas versões para as motivações da mais sangrenta guerra da América do Sul. Além da versão revelada pelos militares, que ganhou força com a proclamação da república, existem outras duas vertentes famosas sobre a Guerra do Paraguai, de acordo com o professor Maurim.
“O ponto de vista do historiador Júlio José Chiavenato, revelado em seu livro – A Guerra do Paraguai, de 1960 – apresenta uma visão economicista. A teoria elege a Inglaterra como a grande vilã da guerra, responsável por financiar a Tríplice Aliança por interesses econômicos”, resume.
Outra teoria é a do professor da Universidade de Brasília, Francisco Doratioto, impressa no livro “Maldita Guerra”, lançado em 2002. “Uma crítica às versões anteriores. Mais do que batalhas e personagens, as pesquisas de Doratioto trazem o lado humano, social e político do conflito. O livro dele virou referência no assunto, especialmente no que se convencionou chamar de ‘Nova História da Guerra do Paraguai’”, revela.
Diante de tantas linhas de pensamento, vamos nos ater a simplificar a Guerra do Paraguai baseada na versão dita oficial ou mais publicada pela historiografia brasileira.
A origem do conflito
A Guerra do Paraguai foi o maior conflito armado ocorrido na América do Sul. E a Batalha do Riachuelo foi decisiva para as resoluções da guerra. Mas antes de chegarmos ao mais influente combate desse conflito, precisamos compreender os motivos que levaram Paraguai, Brasil, Uruguai e Argentina a derramarem sangue por mais de meia década.
Em 1862, após a morte do ditador paraguaio Carlos Antônio Lopez, assumiu o poder seu filho, Francisco Solano Lopez. Ele iniciou amplas reformas no país, modernizando suas indústrias e, principalmente, as forças armadas. Entretanto, o Paraguai não possuía uma saída para o mar. Então, Solano Lopez iniciou uma parceria com Atanasio Cruz Aguirre, que liderava um governo provisório no Uruguai. Lopez pretendia, com essa parceria, obter livre trânsito fluvial até o Atlântico, podendo estabelecer assim, contato comercial com a Europa.
No entanto, em 1864, graças a uma intervenção brasileira, Atanasio Aguirre foi deposto no Uruguai, prejudicando assim os planos paraguaios. Como represália, Solano Lopez aprisionou o vapor brasileiro Marquês de Olinda. O navio brasileiro navegava rumo a província de Mato Grosso, transportando Frederico Carneiro de Campos, o novo presidente da região, que morreria vítima de maus tratos.
Algumas semanas depois, no início de dezembro de 1864, antes mesmo de declarar guerra, Solano Lopez invadiu a província de Mato Grosso, dando início a Guerra do Paraguai. “Nessa época, o Paraguai tinha forças militares muito bem armadas e organizadas, superiores as forças argentinas e brasileiras. Alcançando assim grandes e importantes vitórias nos primeiros meses da guerra. Naquele tempo, praticamente não haviam estradas e as notícias, que iam a cavalo, demoravam a chegar para o imperador Dom Pedro II”, explica o professor Maurim.
Nesse meio tempo, as forças paraguaias contaram com passagens, praticamente livres, pela região, invadindo Corrientes, na Argentina, a partir de onde pretendiam invadir o Rio Grande do Sul e o Uruguai.
Na primeira fase da guerra, entre 1864 e 1865, o Paraguai avançou imparável pela Argentina e pelo Brasil, conquistando amplas regiões. “Um primeiro passo importante para Solano Lopez, que sonhava com o “Grande Paraguai”, um país que se estenderia até o oceano Atlântico, passando pelo norte da Argentina e por todo o sul do Brasil, abrangendo também o Uruguai”.
A Tríplice Aliança
Para fazer frente aos planos de Solano Lopez, no primeiro dia de maio de 1865, o Brasil, a Argentina e o Uruguai assinaram, em Buenos Aires, o Tratado da Tríplice Aliança contra o Governo do Paraguai.
Algumas pesquisas indicam que, mesmo as forças combinadas desses três países (totalizando 40 mil soldados), no início da guerra, eram inferiores aos 80 mil soldados do Paraguai. “Mas o Brasil tinha uma vantagem enorme, sua marinha de guerra era composta por 42 navios, mais de 200 bocas de fogo e 4 mil homens bem treinados. Os aliados sabiam que a única forma de vencerem as forças paraguaias era por meio de ações navais na bacia do Prata, com o objetivo de isolar as várias unidas terrestres paraguaias espalhadas pela Argentina e Brasil”, analisa o professor.
A batalha naval
Sem estradas, era pela bacia do Prata que os exércitos se comunicavam, transportando ordens, munições e suprimentos. Assim, quem dominasse os rios, estaria um passo à frente do adversário. “Solano Lopez sabia disso e assim planejou um ataque surpresa contra a esquadra brasileira, ancorada ao longo do arroio Riachuelo, um dos afluentes do rio Paraguai, na província argentina de Corrientes”.
O plano era atacar os navios brasileiros nas primeiras horas da madrugada do dia 11 de junho de 1865, mas algumas embarcações paraguaias tiveram problemas. Com o atraso, o fator surpresa foi por água a baixo. A esquadra brasileira liderada pelo então almirante Francisco Manuel Barroso da Silva foi alertada às 9h da manhã, sobre a aproximação dos navios paraguaios. Rapidamente entrou em formação de batalha.
A força paraguaia era formada por oito navios com 38 bocas de fogo, 1200 atiradores do exército e alguns canhões estrategicamente posicionados nas barrancas da foz do Riachuelo. O ataque começou com a frota paraguaia descendo o rio e atacando a frota brasileira. Com a troca de tiros, algumas embarcações de ambos os lados foram danificadas.
Próximo das 11h, tem início a segunda carga, dessa vez é a frota brasileira que toma iniciativa e segue em direção ao inimigo. Os canhões paraguaios posicionados nas encostas abrem fogo e danificam seriamente a Corveta Belmonte (navio de guerra que serviu a Armada Imperial Brasileira). Por volta do meio dia, a situação da frota brasileira é crítica, com dois navios encalhados e a Corveta Parnaíba correndo risco de ser capturada.
“Mas quando tudo parecia perdido, por volta das 13h, duas embarcações brasileiras chegaram para socorrer a Corveta Parnaíba, obrigando os paraguaios a abandonarem a abordagem. A bandeira brasileira foi novamente hasteada. Às 14h, a batalha estava indefinida, com muitas baixas de ambos os lados”, detalha.
A Fragata a vapor Amazonas, da frota brasileira, avançou águas a cima lançando-se contra o Vapor Jejuy (navio de guerra da Armada Paraguaia), que naufragou. Em seguida, a Fragata Amazonas de Barroso atacou várias outras embarcações, desmontando a frota paraguaia que se viu tragicamente reduzida a cinco navios, batendo em retirada às 17h30.
Com a vitória brasileira, o Paraguai perdeu grande parte da sua força naval, dando à Tríplice Aliança, o controle sobre bacia do Prata, resultando no isolamento das várias unidades terrestres paraguaias que combatiam na Argentina e no Brasil. Apesar do Paraguai ainda possuir uma força terrestre superior, sem o controle da bacia Platina, as tropas de Solano Lopez foram obrigadas a recuar, iniciando uma longa e desgastante guerra defensiva.
Consequências
A Batalha Naval do Riachuelo impôs uma séria derrota ao Paraguai. Embora a guerra tenha se prolongado até 1870, a vitória nessa batalha foi determinante para o avanço dos aliados, contribuindo para a derrota paraguaia.
Quando o assunto é Guerra do Paraguai, existem muitas pesquisas que divergem em alguns pontos, números e motivações. Entretanto, é certo que todos os pontos de vista consolidam o entendimento de que, à época, quem dominava os rios dominava a guerra.
“Uma legitima e intrigante batalha naval nos rios do Prata. Foi travada nos espaços reduzidos dos rios, com bancos de areia que tornavam as manobras difíceis, exigindo daqueles que desconheciam a região, maior agilidade e capacidade de decisão”, atribui o professor Maurim.
(Protásio de Morais | Secom/ Cuiabano News)