Gado criado ilegalmente em terra indígena de MT abasteceu frigoríficos, denuncia Greenpeace

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Uma denúncia do Greenpeace Brasil acusa a JBS, maior empresa de proteína animal do mundo, de ter recebido indiretamente gado criado de forma ilegal dentro da Terra Indígena Pequizal do Naruvôtu, em Mato Grosso. Segundo o relatório, o esquema teria abastecido frigoríficos da companhia em Barra do Garças e Água Boa, na região Araguaia, ambos autorizados a exportar para mercados internacionais de alto valor, como União Europeia, Reino Unido, Canadá e Hong Kong, além de distribuir carne no mercado brasileiro.

As imagens registradas dentro da Terra Indígena Pequizal mostram de diferentes ângulos o limite entre área de pastagem e floresta da Fazenda Três Coqueiros. A estrada marca a divisa na parte inferior.

O mecanismo denunciado pela ONG segue a lógica da chamada “lavagem de gado”, quando animais criados em áreas embargadas ou desmatadas ilegalmente são transferidos para propriedades sem restrições, antes de serem vendidos a frigoríficos. Dessa forma, a origem ilícita desaparece dos registros oficiais, contaminando toda a cadeia produtiva.

Conforme a denúncia, entre 2018 e 2025, um fazendeiro que é dono de quatro áreas que fazem fronteira ou se sobrepõem à Terra Indígena Pequizal, teria transferido ao menos 1.238 bois da Fazenda Três Coqueiros II, multada em R$ 1,5 milhão e embargada pelo Ibama em 2023, para a vizinha Fazenda Itapirana, livre de sanções. Dessa segunda propriedade, localizada a menos de 2 km de distância, os animais foram enviados a frigoríficos da JBS em Mato Grosso. Para o Greenpeace, a Itapirana se tornou peça central para esquentar o gado irregular e viabilizar sua entrada no sistema formal de produção da empresa.

O relatório mostra que o gado é produzido em áreas ilegais, transferido para fazendas regulares, vendido a abatedouros sem que o histórico apareça nos registros e, por fim, distribuído ao mercado interno e externo.

Às vésperas da COP30

A denúncia surge às vésperas da COP30, que será realizada em novembro no coração da Amazônia, e chama atenção para as falhas persistentes no monitoramento de fornecedores indiretos, elo mais vulnerável da pecuária. Apesar dos compromissos assumidos desde 2009 para eliminar o desmatamento de sua cadeia, a JBS ainda não rastreia integralmente esse segmento.

Mesmo após a homologação da Terra Indígena Pequizal em 2016 e a decisão recente do Supremo Tribunal Federal que reafirmou a respectiva validade, atividades ilegais continuam sendo registradas na área. Para o Greenpeace, governos e empresas precisam adotar mecanismos de rastreabilidade completos e uma regulação mais rígida do setor pecuário e financeiro.

A denúncia também reforça a dimensão climática do problema. Em 2023, a agropecuária respondeu por 74% das emissões de gases de efeito estufa do Brasil, segundo o Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG), com destaque para o metano liberado pelo rebanho bovino. Para a ONG, a permanência dessas brechas acelera a crise climática e empurra a floresta para o ponto de não retorno.

Em nota, a JBS informou que uma auditoria interna foi realizada para debater as compras mencionadas pela Greenpeace e concluiu que todas seguiram os critérios estabelecidos pela Política de Compra Responsável de Matéria-Prima, assim como os protocolos definidos pelo setor. Veja abaixo a nota na íntegra:

O Greenpeace falhou em demonstrar o trânsito do gado da fazenda Três Coqueiros para as fábricas da JBS. Auditoria das compras apontadas pelo Greenpeace constatou que todas seguiram a Política de Compra Responsável de Matéria Prima da Companhia e o protocolo setorial.
Ainda assim, diante das informações apresentadas pela “investigação”, a JBS bloqueou preventivamente a Fazenda Itapirana e solicitou esclarecimento ao produtor.

A JBS monitora 100% dos seus fornecedores por meio de imagens de satélite de alta resolução e cruzamento de informações de bases oficiais. Desde 2021, a companhia implementou a Plataforma Pecuária Transparente, que utiliza tecnologia blockchain e permite aos fornecedores da JBS verificar a conformidade de seus próprios fornecedores, assim enfrentando o desafio setorial de acesso à informação — a indústria não tem acesso a Guias de Trânsito Animal como as que foram utilizadas nessa investigação. (Primeira Página)