Haitianas ocupam calçadas e resistem à saída do centro de Cuiabá

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“Se meu filho me pede um tênis, eu preciso trabalhar para poder comprar. Preciso dar condições para que ele tenha coisas ou vou deixar ele ser ladrão? Ele é criança, precisa de mim”. Esta é a declaração de Judith Thediteodor, de 52 anos, uma haitiana que está há oito anos no Brasil e que há três tem sua banca de lingerie nas calçadas da rua 13 de Junho, em Cuiabá. Ela não se vê em outro local e se nega a acatar a sugestão da prefeitura da capital de se instalar no Shopping Orla, no Porto. A reportagem é do Leiagora. Confira:

Além de Judith, outras duas haitianas que buscam no Brasil melhores oportunidades também têm na via comercial a esperança de garantir vida melhor à família. Como é o caso de José Layne, de 42 anos, e Ylionise Pierre Charles, de 37.

Com sol escaldante sobre suas cabeças, entra e sai de gente, promoções e muito barulho, em suas banquinhas espalhadas pelas calçadas elas expõem suas mercadorias. Apesar da busca nobre para levar comida à mesa de seus filhos e parentes que ainda vivem em suas terras natais, não se pode negar o transtorno gerado por essa comercialização irregular que deve findar conforme determinação da Prefeitura de Cuiabá.

Ocorre que o prefeito Abilio Brunini (PL), apoiado por grupo de vereadores, anunciou prazo de 30 dias para que os vendedores ambulantes saiam das calçadas do Centro e se estabilizem em salas do Shopping Orla.

A partir daí, terão três meses para se adaptar ao local. A justificativa para a medida é a garantia de melhor acessibilidade da população às lojas da região, que muitas vezes têm entradas e saídas inviabilizadas pela exposição de mercadorias de comerciantes ambulantes. Somado a necessidade de regularizar essas formas de trabalho.

Todavia, o diálogo da prefeitura junto aos ambulantes não tem sido eficaz, visto que a maioria da categoria não concorda com a alternativa sugerida. Por isso, o Leiagora se deslocou até o ‘Centrão’ para entender melhor como esses comerciantes analisaram a proposta.

“Se eu for ficar lá, no Porto, não vai vender nada. Como eu vou pagar casa, luz? Eu tenho conta para pagar não tem como pagar. Vai ficar lá no Porto e não vai vender nada. Quem que vai andar atrás de nós? Não tem ninguém”, declarou Ylionise. Ela ainda completou:

“Não tem problema sair daqui se, por exemplo, a prefeitura arrumasse um lugar para nós melhor para vender. Como vou vender mercadoria? Vai jogar fora?”, questionou.

A gestão municipal já declarou que o objetivo é de fato garantir fomento à região

Maioria dos produtos comercializados são de moda íntima
Foto: Helder Douglas

do Porto por meio de melhor acesso às áreas de lazer, como o Aquário Municipal, com tarifa de ônibus grátis aos finais de semana, o que já está em vigor. Porém, o processo de tornar a região mais movimentada requer tempo e investimento. O que preocupa os ambulantes e acende outro alerta:

“Minha amiga brasileira já trabalha lá. Preciso de um lugar melhor para vender. Vou procurar outro ponto melhor no Centro”, contou José Layne.

A fala da mãe de dois filhos que está no Brasil há sete anos revela outra questão: diante de uma única opção sugerida pela prefeitura, que não agrada os comerciantes, a gestão pode apenas “mudar o problema de lugar”. Visto que os comerciantes não pretendem ir para o Porto, mas ocupar outras áreas do Centro.

No que cabe à questão social, também é válido destacar que Ylionise afirmou que chegou a trabalhar em empresas com a carteira assinada. No entanto, sem flexibilização de horários para buscar os filhos na escola, o trabalho ficou inviável.

“Porque quando a gente trabalha nas empresas, eles não nos deixam sair na hora, buscar meus filhos na creche”.

Com poucas creches integrais no município, o cenário revela também uma preocupação já demonstrada pela vereadora Dra. Mara (Podemos), que declarou a necessidade de que a Assistência Social acompanhe a situação dessas famílias que estão em situação de vulnerabilidade.

Lojistas que também utilizam a calçada para expor mercadorias
Foto: Luíza Vieira

Ainda na gestão do ex-prefeito Emanuel Pinheiro (MDB), os ambulantes tiveram seus materiais recolhidos também pela Secretaria de Ordem Pública, mas, passados alguns dias, os comerciantes voltaram aos mesmos locais de origem. O que já aponta para a necessidade de melhor fiscalização pós-implementação das medidas, visto que os próprios lojistas utilizam as calçadas para também expor seus produtos.

Por isso, a celeuma é muito mais complexa no sentido de impactar diretamente a várias famílias que têm Cuiabá como seu lar, ao mesmo tempo em que os consumidores cuiabanos merecem um ambiente mais acessível ao irem às compras.

Fonte: Leiagora