Traficantes e usuários de drogas tomam conta do Centro Histórico de Cuiabá e os prédios antigos, tombados como patrimônio histórico, são a porta de entrada desses indivíduos, que se agrupam não só nas ruas, mas também nesses imóveis desocupados.
Várias estruturas, que deveriam passar por revitalização, estão abandonadas e este cenário proporciona condições ideais para o consumo de drogas. Frustrados com os problemas gerados pelos usuários de entorpecentes, muitos comerciantes e
moradores se mudaram, o que aumentou ainda mais o número de imóveis desocupados.
A reportagem de Gazeta esteve durante a semana no Centro Histórico e verificou a presença de várias pessoas usando entorpecentes. Além de diversos prédios deteriorados e colocados à venda. Mesmo com a presença da equipe, uma pessoa tornozelada chutou uma porta de madeira e adentrou em um prédio desocupado. Logo depois deixou o local, que fica localizado na rua Sete de Setembro, no início do Beco do Candeeiro, ponto com maior concentração de usuários.
Próximo a este ponto, na rua Campo Grande, quatro prédios históricos estão abandonados, alguns foram concretados, o que não impediu a invasão dos usuários, que acessam o local pelo telhado. Essas estruturas estão com vidros quebrados, restos
de materiais de construção e cheios de mato. Uma delas corre o risco de desabamento e está escorada por uma estrutura de madeira.
Na mesma rua, em frente à antiga base da Polícia Militar, duas pessoas usavam drogas e a invasão do imóvel foi por um buraco feito na chapa de ferro. Logo à frente, na Praça Dr. Alberto Novis, o piso estava repleto de urina e o odor incomodava quem passava pelo local. Proprietário de uma empresa de fechadura, na rua Pedro Celestino com Voluntários da Pátria, Eraldo da Cruz explica que os comerciantes querem que o poder público afaste os usuários da região.
“Enquanto oferecer comida e banho, eles vão ficar por aqui. Esse tipo de trabalho social teria que ser mais distante, porque
aí eles se obrigam a sair daqui. O comércio do Centro Histórico está acabando e isso é reflexo do descaso e da má gestão de políticas públicas. Nós não aguentamos essa situação. Os comerciantes estão fechando as portas porque os furtos são recorrentes”.
Beco do Candeeiro
O uso de drogas levou Perkson Bruno dos Santos Castro, 31, a ficar em situação de rua desde os 13 anos. Ele tem família em
Várzea Grande, mas vive dia e noite no Beco do Candeeiro, junto com muitos outros usuários de entorpecentes. “Minha mãe não me aceita em casa, tem medo que eu pegue as coisas para vender. Já fiz muito isso, quando não conseguia na casa dela, furtava em outros lugares. Já fui preso três vezes”.
Segundo Perkson, há dois anos ele optou em viver no Beco do Candeeiro. “A parte mais difícil de viver na rua é a fome. Então, eu prefiro ficar por aqui, pois é uma região que a entrega de alimento é mais regular”.
Conta que, quando está muito frio, se abriga em alguns prédios desocupados. “A gente se vira como pode, nós somos unidos, um ajuda o outro. O único problema é a polícia, qualquer coisa que ‘some’ das lojas já acha que é a gente que pegou, somos excluídos”.
Perkson ressalta que faz uso de pasta-base e maconha e que já pensou em parar de se drogar. “Tenho uma filha, tentei parar por ela, fiquei um ano sem usar, mas depois voltei. Só que eu não quero mais me internar, não adianta, isso é enganação.
Quando eu quiser parar, eu vou conseguir sozinho, não preciso de ajuda”. Revela que recebe a visita da sua mãe, que às vezes vai até o Beco do Candeeiro e faz chamada de vídeo para ele conversar com a filha.
Centro Pop
Usando drogas e rodeado de bicicletas. É assim que um grupo de usuários se encontrava na manhã de quinta-feira (11),
na rua Comandante Costa, em frente ao Centro Pop. Com colchão, cobertores e bebidas, eles ocupavam parte da calçada
e, nos arredores, muitos usuários passaram e jogaram restos de marmitas pelas ruas.
Próximo ao local, na rua Pedro Celestino, cerca de 5 prédios estão abandonados e depredados e, alguns usuários, invadiram os imóveis pelo forro, portas de vidro quebradas e buracos na estrutura de ferro. O antigo banco e Cine Bandeirantes estão entre os imóveis depredados. Assim como três estruturas na rua Voluntários da Pátria.
Wanildo Costa Sousa, que atua em uma carretinha de lanche, na Praça Antonio Correa, explica que, quando fecha um estabelecimento, os usuários entram para ver se ficou alguma coisa de valor ou se abrigam lá. “Aqui costuma ter muito furto de fiação. Eu já fui furtado, quebraram o cadeado da carretinha e levaram o microondas. Agora estou pagando um guarda”.
Esquecido
Costureira Enildete Saldanha morou por 20 anos no Beco do Candeeiro. “Hoje, passo longe, tenho muito medo. Todas as
vezes que venho fazer compras, só ando no calçadão, mas nem assim impede que eles abordem a gente, estão por toda a parte”.
Fernando Freitas, morador há 30 anos, na rua dos Bandeirantes, próximo à escadaria do Beco Alto, lamenta a situação que virou o centro. “Aqui era um lugar valorizado, bonito, arborizado e arrumado”.
Segundo Freitas, a sensação é que o centro foi esquecido, está largado. “É muito usuário e sujeira. Várias vezes ao dia tenho que pedir para os usuários saírem da minha porta. Meu muro virou mictório, o cheiro é forte, além dos restos de comida. Sou um dos poucos moradores que ainda está aqui. Vários vizinhos deixaram suas casas porque não aguentaram”.
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Fonte: A Gazeta