Fundada por bandeirantes paulistas, Cuiabá chega aos 305 anos neste 8 de abril com uma população diversificada dos “tchapa e cruz” e os “pau rodados” e abraça suas raízes indígenas, africanas e europeias, em um verdadeiro caldeirão cultural.
A cidade que nasceu da sanha pela busca do ouro, se tornou uma das principais capitais do país em qualidade de vida, em desempenho econômico, fruto de um estado que vive um momento de crescimento. Mas para chegar até onde chegou, a história da cidade é marcada por altos e baixos. A publicação é do ‘O Documento’. Confira:
O professor titular da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Fernando Tadeu de Miranda Borges, divide a história da capital do Estado em ciclos.
Houve um hiato de oito anos entre a criação do arraial em 1719 para ser transformada na Vila Real do Senhor Bom Jesus de Cuiabá. Em 1748 foi criada a capitania de Mato Grosso, e a primeira capital foi Vila Bela da Santíssima Trindade (1752). Por isso, Cuiabá é mais antiga que Mato Grosso, que faz 276 anos em maio.
“É interessante ressaltar que de 1807 a 1819, o governador da capitania de Mato Grosso, João Carlos Augusto d’ Oeynhausen e Gravenberg (Marquês de Aracati), transformou Cuiabá, inaugurando nesse período a Santa Casa de Misericórdia, e em 17 de setembro de 1818, a elevou de Vila para Cidade. A transformação urbana de Cuiabá, provavelmente foi um dos fatores que a levou ao título de capital de Mato Grosso, que anteriormente era de Vila Bela da Santíssima Trindade. Essa foi a primeira e grande intervenção urbana na cidade de Cuiabá”.
Com o exaurimento do ciclo do ouro nas décadas de 1830/1840, Cuiabá se reinventou após a Guerra do Paraguai, em 1870, dando início a economia extrativista (borracha, poaia, erva-mate, etc). A cidade passou a exportar e importar produtos através da navegação pelo Rio Paraguai, conforme apontado por Fernando Tadeu de Miranda Borges na pesquisa “Do extrativismo à pecuária: algumas observações sobre a história econômica de Mato Grosso (1870-1930).
“A segunda grande intervenção em Cuiabá deu-se com o interventor Júlio Strubing Müller, no período de 1937 a 1945. Nesse período muitas obras foram edificadas como os prédios do governo da Avenida Getúlio Vargas, o Cine Teatro Cuiabá, a Residência dos Governadores, o Colégio Estadual de Mato Grosso, o 44° Batalhão de Caçadores, a Ponte Júlio Müller, Cuiabá-Várzea Grande, o Departamento Estadual de Estatística, o Departamento de Saúde Pública, o Abrigo dos Velhos e muitas outras”, comentou o professor.
Para ele, a terceira intervenção ocorreu com a criação da Universidade Federal de Mato Grosso pelo governador Pedro Pedrossian, que também mudou bastante em Cuiabá, com a possibilidade das famílias mais pobres poderem estudar dentro do estado. Antes, os mais abastados enviavam os filhos para a capital do país na época: Rio de Janeiro. O reitor-fundador foi o médico cuiabano Gabriel Novis Neves.
A quarta intervenção veio após a divisão de Mato Grosso, em 11 de outubro de 1977. De 38 municípios passou-se para 141 municípios, e nessa fase, tanto nativos quanto chegantes, ajudaram muito, e hoje Cuiabá e Mato Grosso, tornaram-se uma realidade, tendo dado um grande salto de produção no mundo do agronegócio.
A “invasão” sulista e o linguajar cuiabano
Conforme o ranking do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), Cuiabá é uma das 10 melhores do país para se viver ocupando o 9º lugar. A lista é feita analisando não só a cidade em si, mas também o entorno, com as regiões metropolitanas.
Já no Mapa da Desigualdade entre as Capitais Brasileiras elaborado pelo Instituto Cidades Sustentáveis (ICS), divulgado no mês de março de 2024, aponta que Cuiabá é a 7ª cidade menos desigual do país, e a terceira cidade com menor percentual de pobreza. Ainda de acordo com o estudo, Cuiabá está acima da média em 21 dos 40 itens observados. Em 11, está na média e em apenas 8 é classificada como abaixo da média.
Para o historiador Suelme Fernandes, se atualmente a cidade tem uma maior qualidade de vida e porque acabou sendo uma cidade de suporte do agronegócio, com serviços especializados nas mais diversas áreas, como a construção civil, comércio, universidades, aeroporto, redes de hotéis, bons restaurantes, dentre outros.
“É uma cidade que se beneficia indiretamente da riqueza do agronegócio. Se o Estado passa por um grande desenvolvimento e crescimento econômico acima de 4%, 5% é óbvio que a capital do estado também vai se beneficiar disso. Ao meu ver, essa é a grande mola propulsora que tem gerado essa qualidade de vida, com taxa de desemprego de 2,3%, bem abaixo da média nacional”.
Quando os migrantes sulistas chegaram em Mato Grosso nos anos 70 atraídos pelos projetos de integração nacional da ditadura militar, em busca do eldorado, do sonho e de construir riquezas, encontraram uma cidade do interior do Brasil, com um tipo de falar bem específico, bem diferenciado, o que acabou também gerando muito preconceito.
“Além disso, a entradas das novelas foram conflitando com esse linguajar, que não se via representado, então, além do preconceito de quem vinha, de aceitar esse jeito de falar mais caboclo, mais do interior, havia também essa questão da indústria cultural da TV, que acabou influenciando. Acreditava-se que em alguns anos a língua cuiabana será extinta, mas o que vemos com as redes sociais é de que essa forma de falar está voltando com força total”.
Conforme Suelme, palavras “xômano”, “tá até doce”, estão cada vez mais inseridas no dia a dia da cidade, e o que era alvo de muito preconceito no passado, hoje ganhou ares mais simpáticos e agradáveis de uma linguagem mais de rede social, graças a personagens como Xomano que mora logo ali, Kbeça Pensante, Almerinda, Xô Dito, dentre outros influenciadores e personagens.
“A língua cuiabana está mais viva do que nunca”.
Cuiabá do futuro
Uma das cidades mais quentes do país, um dos desafios da capital é voltar a fazer jus ao título de Cidade Verde, apelidado dado por Dom Aquino Correia numa poesia. Contudo, com o crescimento da cidade, os quintais cuiabanos repletos de árvores frutíferas deram espaços a verticalização. À medida que o desenvolvimento e o crescimento da explosão demográfica aconteceram, as árvores foram sumindo.
“Também parece que há uma cultura de destruição de árvore, às vezes não há nenhuma necessidade de cimentar o quintal ou de cortar uma árvore para uma manutenção de poste, só os galhos poderiam resolver. Falta uma cultura também de verde por parte das pessoas na calçada e está mais que na hora de rebaixar a afiação do centro histórico”.
Um dos caminhos futuros para a capital, até mesmo para amenizar as altas temperaturas é uma política efetiva de arborização, como uma meta de desenvolvimento urbano para melhorar a qualidade climática e diminuir a temperatura que beira o insuportável.
“Não tem outra tecnologia, só vamos resolver esse problema e se investir em arborização. Então esse é um desafio que está na agenda com certeza dos próximos candidatos a prefeito. Fazer a cidade voltar a ser a cidade verde”, finalizou.
Fonte: O Documento